O valor do nada

Estava eu pensando que há alguns dias não escrevo nada de útil nesse blog, isso é na verdade um esforco descomunal tentando resistir à tentacão de reclamar da vida publicamente. Mas eis que me recordo de algo interessante que vale a pena compartilhar aqui, algo que diz respeito a música, arte, copyright (portanto interessa aos envolvidos com software livre) e aparente insanidade, perfeito.

John Cage é um artista norte-americano controverso, experimentalista, pesquisou “música aleatória”, é creditado como um dos pioneiros do que viria a se chamar “música eletrônica” no futuro. Sua mais famosa peca, chamada simplesmente de 4’33” (quatro minutos e 33 segundos) é composta exclusivamente de… silêncio. São 3 movimentos, em diferentes duracões onde não se toca -nada- a peca data de 1952 e sua primeira execucão pública foi em uma versão arranjada para o piano.

Diante dos espectadores o pianista sentou-se ao piano, ergueu a tampa que cobre as teclas e lá ficou em silêncio. Ao término do primeiro movimento, fechou a tampa, a abriu novamente para a execucão do segundo movimento (mais silêncio). Fechou a tampa, a abriu , executou o terceiro movimento, levantou-se e foi-se embora.

Um parêntese: essa peca de John Cage eu sou capaz de executar com maestria, em diversos instrumentos.

Por mais absurda que possa parecer, existe muito significado nesta obra. John Cage a idealizou quando visitou uma sala projetada para absorver todo o som produzido dentro dela sem a producão de ecos. Ele se surpreendeu ao não experimentar o silêncio absoluto, ao invés disso ouviu os sons de sua própria corrente sanguínea. A conclusão simples é que o silêncio não existe se você estiver vivo. Os sons da peca de Cage são, na verdade, produzidos pelo ambiente no momento da execucão. Especula-se que a duracão e nome 4’33” (exatamente 273 segundos) sejam deliberados, lembrando que -273 graus Celsius ou 0 graus Kelvin é a temperatura conhecida como Zero Absoluto. Faz sentido… muito conceitual? You bet.

Mas o pior foi o que aconteceu em 2002 quando uma banda britânica chamada The Planets incluiu em um disco uma faixa chamada “um minuto de silêncio” que consistia de um minuto de… bem… “silêncio”. Os advogadosque cuidam do legado de John Cage entraram com um processo de violacão de direitos autorais que acabou sendo resolvido em acordo extra-judicial mediante pagamento de 100000 libras (isso, cem mil libras, uns US$200000) e a inclusão do nome de Cage como co-autor de “um minuto de silêncio”. Durante as audiências as obras precisaram ser executadas perante o juri, os advogados de Mike Batt (o réu) mandaram uma banda de vários músicos, os de Cage apenas um clarinetista (que permaneceu em silêncio durante a audiência) depois de muita tosqueira e o acordo, Mike Batt ainda declarou, bem humorado: “Minha obra é muito melhor que a de Cage, pois eu disse em apenas um minuto o que ele precisou de 4 minutos e 33 segundos para dizer”.

Após o caso, “Um minuto de silêncio” foi lancado em versão single, sob a autoria de Batt/Cage, mas não chegou a atingir as paradas de sucesso.

Referências: John Cage na Wikipedia , Artigo da CNN sobre o caso em 2002


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