Saber (e) Usar (11/2001)

Artigo de novembro de 2001 para a Revista do Linux. Esse artigo explora a relatividade das afirmações a respeito de sistemas de software livre serem “mais fácceis” ou “mais difíceis” do que software proprietário, elabora uma tese sobre o impacto que a “simplificação” dos sistemas operacionais trouxe ao mundo do usuário médio quando comparado ao cenário de 20 anos atrás.

“Saber usar” é muito diferente de “Saber e usar”, e essa é a tônica dessa matéria. Vale lembrar que nesta época o “OpenOffice.org” ainda não era uma realidade, me refiro sempre ao Star Office.
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Saber (e) usar

Dois fatos recentes na minha vida diária me chamaram a atenção. Um advogado conhecido meu me perguntou sobre o “Linux”; em determinado momento ele comentou: “dizem que ele é mais difícil”, ao que instintivamente intervi: “mais difícil não, ele é mais sofisticado”.

Outro foi um e-mail do médico do meu filho contando que tinha visitado o stand da Conectiva na Comdex e queria instalar o GNU/Linux no micro do consultório, “fiquei realmente impressionado e comprei a idéia” ele escreveu.

Ambos fazem parte de um universo que infelizmente tem sido forçado a se encolher. Quinze anos atrás era freqüente abrirmos uma revista de informática e encontrarmos programas feitos por médicos, advogados e outros profissionais. Naquela época, todos os sistemas operacionais vinham com uma linguagem de programação, em geral uma variante de BASIC. As pessoas começavam a programar, simplesmente porque tinham como.

A constante retirada de funcionalidade em nome de uma suposta “simplicidade” tem efeitos negativos sobre o conhecimento médio da população de usuários.

Se por um lado torna o sistema mais simples para aqueles que não têm aptidão para a informática impede os que têm de progredir, simplesmente por não ter o que explorar.

Hoje, com sistemas baseados em GNU/Linux, vivemos algo sem precedentes na indústria da informática, contamos com um sistema que pode ser personalizado de modo a apresentar tanta funcionalidade quanto desejemos. Podemos com o mesmo sistema operacional atender à secretária que precisa digitar um texto e ao empreendedor que quer montar um site de e-commerce na Internet.

Aliás, os que não acreditam no uso de GNU/Linux por secretárias dificilmente lembram que não é a secretária quem instala, configura e gerencia o sistema operacional, que ela nunca vai precisar saber o que é uma partição de disco ou um grupo de usuários, que ela precisa apenas clicar nos ícones e editar o seu texto. Temos o KDE e o Gnome que não deixam nada a desejar neste ramo.

E falando em editores de textos será que é tão diferente assim usar o Word ou o Star Office? Tanto no Word, quanto no Star Office (ou no Abiword, que eu adoro), a mudança do tamanho de uma fonte ou a centralização de um texto pode ser feito da mesma maneira; quando muito, os botões estão em lugares diferentes.

Mas aprender a usar um computador não é decorar onde estão os botões e sim saber quais as funcionalidades genéricas disponíveis. Sabendo o que todo editor de textos faz, aprender a usar um novo editor de textos é questão de minutos de exploração e algumas horas de prática.

Há algum tempo deixamos de ensinar informática e passamos a treinar pessoas para usar produtos. Ser treinado é muito diferente de aprender.

Uma pessoa que aprendeu a usar editores de texto desenvolve intuição suficiente para usar qualquer editor de textos. Uma pessoa que foi treinada a usar um produto sentirá muita dificuldade, até desconforto ou medo, de usar outro.

O mero treinamento limita nas pessoas uma capacidade muito desejada no mercado de trabalho nos dias de hoje: a versatilidade. No treinamento do uso de determinados produtos, ao invés de ensinar informática, estamos criando profissionais que não terão capacidade de se adaptar sozinhos a novas tendências. E não estamos falando de artesanato com argila, cujas técnicas são aproximadamente as mesmas há centenas de anos; estamos falando de uma realidade que nos empurra novas tendências a cada 3 meses.

É muito limitada a visão daqueles que acham que treinar pessoas em escolas para usar o produto mais usado pelo mercado hoje vai realmente contribuir em algo para sua vida profissional. Há aqueles que acreditam no condicionamento ao uso como método de ensino. Ou lhes falta o conhecimento da causa ou sobram os interesses.

Eduardo Maçan
macan arroba debian.org


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