Livre, pero no mucho? (08/2001)

Meu primeiro artigo para a revista do Linux, foi às bancas na edição 20 em agosto de 2001. Embora os exemplos estejam um pouco datados, a maior parte do artigo ainda vale quase 3 anos depois.

O destaque dado pela revista do Linux foi o seguinte:
“Se você usa um sistema proprietário, deve jogar segundo as regras do sistema proprietário, mas se usa um sistema livre, também deveria jogar sob suas regras”
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Certamente você conhece, já ouviu falar, ou já leu um artigo de um desses caras que falam e escrevem GNU/Linux quando se referem a uma distribuição e não ao próprio kernel do Linux. Em geral, essas pessoas preferem software “Livre” a Open Source, e, se você usa GNU/Linux, também deveria preferir.

Ter o código fonte aberto não significa ser livre; exemplos clássicos são o leitor de e-mails pine, que não permite a distribuição de versões modificadas, ou o fwtk, um popular conjunto de proxies para diversos serviços de rede, que é distribuído como fonte, mas que só po-de ser obtido mediante informação do endereço de e-mail, e não pode ser redistribuído.
Pessoas preocupadas com a liberdade do software evitam a todo custo programas desse tipo, que você pode ver, mas não pode tocar, e que não oferecem ao usuário os mesmos direitos que o desenvolvedor tem sobre o programa. Num patamar abaixo deste, temos o soft-ware “grátis”, que pode ser baixado e usado à vontade, sem custo de licenciamento. Isto é software proprietário, e traz embutidos todos os problemas deste.

Para muitas pessoas não faz diferença se o software é livre ou não; o que importa é se “é de graça”, isto basta. Ora, se você usa um sistema proprietário, deve jogar segundo as regras do sistema proprietário (e por favor, compre as licenças de uso); mas se usa um sistema livre, também deveria jogar sob suas regras e preservar ao máximo a liberdade que ele garante a você.

Ignorar este princípio e mesclar sistemas livres com software proprietário é um problema que se torna mais evidente quando tratamos de ferramentas de desenvolvimento. Se desenvolvemos soft-wares livres que dependem de ferramentas proprietárias “gratuitas” para serem compilados/executados, estamos armando nossa “barraca livre” sobre uma haste proprietária. Quando o detentor dos direitos sobre o programa “gratuito” desistir de distribuí-lo de graça e resolver cobrar por ele, ou mesmo retirá-lo completamente de circulação, (literalmente “chutando o pau da nossa barraca”), todo o nosso esforço cairá também por terra.

Ao aceitar depender de software proprietário para o uso de sistemas livres, você está dando parte de sua liberdade em troca de não ter que pagar para usar um sistema proprietário. Esta é a verdade. É revoltante ver um monte de gente se interessar por GNU/Linux apenas porque “é de graça”. É meramente a aplicação da lei de Gérson (a de “querer levar vantagem em tudo”), tão amalgamada ao cotidiano brasileiro. E, claro, desprezando as reais vantagens de se operar com um sistema completamente livre.

Em um sistema completamente livre você nunca será forçado a um upgrade apenas porque o formato binário dos arquivos do seu editor de texto mudou, ou nunca terá que se preocupar porque o programa que arquivou os seus dados nos últimos 20 anos não existe mais e você não tem como ler ou converter toda sua história. Então por que trazer as complicações das regras do jogo proprietário para nosso jogo? Devemos sim nos esforçar para mantê-las distantes. Foi para isso que nasceu o software livre, e não para derrubar esta ou aquela empresa, ou para que a sua empresa economize X mil reais na implementação do banco de dados (proprietário) Y que pode rodar num sistema Livre.

Se você é um desenvolvedor, pense duas vezes antes de desenvolver sistemas livres usando compiladores/ferramentas proprietárias que tornem seu produto dependente destas. Lembre-se dos casos recentes de aplicativos Java e dos apli-cativos baseados na biblioteca Qt (como o KDE), ambos custaram anos de pressão por parte dos usuários ou desenvolvimento para que os problemas de licenciamento fossem solucionados (no caso do Java ainda não completamente). Não devemos incorrer mais uma vez neste erro.

“Se você usa um sistema proprietário, deve jogar segundo as regras do sistema proprietário, mas se usa um sistema livre, também deveria jogar sob suas regras”

Eduardo Maçan
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