O Software Livre e a Política (06/2002)

Como o artigo de maio de 2002 sobre o uso de software apenas para windows pela receita federal (felizmente isso está mudando!) foi publicado anteriormente vamos saltar para 06/2002 com o artigo publicado na edição 30 da Revista do Linux falando sobre o relacionamento entre o software livre e a política no Brasil.

Este relacionamento estava ainda em sua infância, mas já mostrava sinais preocupantes. Hoje infelizmente muita gente só consegue enxergar a política que se formou ao redor de software livre no governo, me resta ter esperança que isso seja uma minoria. O destaque dado pela revista ao texto foi: “O Software Livre se diferencia por carregar em seu bojo uma intensa bagagem ética”

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O software e a política

Um tema recorrente sobre software livre é a discussão do alinhamento político do “movimento do software livre”. O software livre trata de temas como liberdade de expressão através da publicação do código fonte, igualdade de direitos entre o criador e o usuário do programa… é impossível não reconhecer que o movimento do “software livre”, segundo principalmente os termos da GPL, é um movimento ideológico.

Mas o movimento de software livre tem um escopo próprio bem definido e limitado de atuação: software, idéias. Não é correto compará-lo a nada que não se enquadre no mesmo escopo, ou rotulá-lo através de qualquer classificação ou definição de ordem política pré-existentes.

As pessoas que apóiam o movimento de software livre o fazem por diversos fatores. De alguma forma, o software livre se encaixa em seus contextos e por isso merece seu apoio. Uma parte significativa o apóia simplesmente porque este tipo de software lhe traz vantagens práticas ou econômicas.

Não é por ideologia que empresas adotam software livre para sua missão crítica ou que as grandes marcas da indústria de informática querem associar sua imagem à dos principais pacotes de software livre.

Quando o software livre ainda não tinha a aceitação e difusão dos dias de hoje, a reação comum era de ridicularizá-lo, comparando-o de forma caricaturada ao movimento hippie dos anos 60-70.

É bem verdade que este movimento nasceu de pessoas que viveram no ambiente universitário da época, e é difícil negar certa dose de influência. Nenhuma novidade até aí, pois grande parte da indústria de informática atual surgiu de cabeludos trancados dentro de garagens.

Posteriormente, executivos de grandes empresas que se sentiam ameaçadas pela concorrência do software livre recorreram ao espírito do macartismo dos anos 50 e passaram a classificar o software livre de “antiamericano” dizendo que a GPL seria capaz de transformar toda a “propriedade intelectual” de uma empresa em “domínio público” e que a GPL é avessa ao copyright. Esquecendo-se de que ela se beneficia exatamente do copyright para se resguardar.

Mais uma vez, tentaram rotular o software livre, e novamente de forma caricata, ao “comunismo”, dentro daquele contexto pejorativo do auge da guerra fria.

O movimento de software livre se resume exclusivamente ao software, idéias, e não a bens materiais ou às demais relações sociais, portanto também não pode ser comparado ao modelo socialista. Aliás, analisando superficialmente, os ideais da revolução francesa de “liberdade, igualdade e fraternidade” também são muito semelhantes à proposta da GPL, e a revolução francesa foi essencialmente um movimento da burguesia que reivindicava a sua parcela no poder.

Ficar tentando encaixar o movimento do software livre em uma determinada corrente de pensamento político é ridículo. Software livre é uma ferramenta de software que se diferencia por carregar em seu bojo uma intensa bagagem ética, pura e simplesmente. E a ética é, ou ao menos deveria ser, ferramenta imperativa em todas as correntes, ações ou partidos políticos.

Uma vez que tenhamos o reconhecimento do estado, devemos cuidar para que todos entendam do que realmente tratamos, não deixando que projetos excelentes com software livre, desenvolvidos dentro de uma gestão política, venham a ser destruídos por uma gestão seguinte, por preconceito ou ignorância.

E isso se consegue dando o nosso suporte a quem quer que nos solicite, mostrando nosso compromisso único com a ética. E cuidando de perto das nossas conquistas.

O Software Livre se diferencia por carregar em seu bojo uma intensa bagagem ética

Eduardo Maçan
macan arroba debian.org


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