WWW Livre e o Copyright (12/2001)

Voltando à republicação dos meus artigos na revista do Linux na ordem em que eles foram publicados temos o que saiu em dezembro de 2001 comentando a polêmica pesquisa do consórcio W3C sobre criar padrões que exigissem a cobrança de royalties por sua utilização, o que certamente iria contra os interesses das comunidades de software livre.

O curioso deste artigo é que a Revista colocou em destaque a seguinte frase: “Corpos de padronização técnica deveriam ser regidos por técnicos e não por advogados. ” Essa frase, colocada fora de contexto, foi uma das melhores coisas que me aconteceram enquanto eu escrevia para a revista, pois na seção de cartas do mês seguinte o Dr. Marcacini escreveu comentando minha matéria. Aconteceu de marcarmos um almoço e ele rapidamente entrou para o rol das pessoas que mais admiro, Advogado, doutor em direito pela USP, professor de direito da USJT, presidente da comissão de informática da OAB-SP e entusiasta de software livre, uma das mentes mais brilhantes que conheço, vim a conhecer graças a este artigo.

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WWW Livre e o copyright

Há não muito tempo atrás, em um laboratório de física nuclear distante, pesquisadores precisavam de um meio de publicar e disponibilizar resultados de sua pesquisa online. Esse laboratório trouxe para o mundo uma tecnologia de definição de hipertexto e protocolos para a obtenção de documentos hipertexto via rede TCP/IP.

Em 1989, Tim Berners-Lee, cientista de computação do CERN apresentava as primeiras proposições de design do que viria a ser conhecido poucos anos depois como a World Wide Web, ou WWW.

Um consórcio foi criado para desenvolver as tecnologias da World Wide Web. Sua visão: “O aspecto mais importante de todos os novos desenvolvimentos é que a Web deve permanecer como um padrão aberto para todos usarem e para ninguem ficar preso em um sistema proprietário. Este é o objetivo do consórcio internacional World-Wide Web, “W3C”, um corpo de instituições e companhias de todo o mundo.” (citado de public.web.cern.ch/Public/ACHIEVEMENTS/WEB/history.html)

Hoje, a WWW é tão bem sucedida que poucas pessoas conseguem diferenciar “WWW” de “Internet”, chegando a acreditar que são a mesma coisa. “Internet” é um meio de transporte para a “WWW”. O vislumbramento das oportunidades de negócio fizeram com que muitas grandes corporações e conseqüentemente muitos interesses diversos passasem a fazer parte do consórcio W3.

Isso aliado à perversão do conceito de direitos autorais que é a praga tecnológica deste início de século forçaram a discussão de termos de licenciamento para as tecnologias desenvolvidas e aprovadas pelo W3, termos estes que podem vir contra um dos fatores mais importantes no sucesso da própria web, o software livre (será que eu preciso citar nomes? Apache, Linux, Perl, PHP… a lista vai longe).

O consórcio W3 está estudando a criação de uma licença denominada RAND, acrônimo em inglês para “razoável e não discriminatória” que, – oh ironia! – discrimina contra software livre por exigir pagamentos de royalties aos participantes do W3 que detenham direitos de partes da tecnologia licenciada. A entidade concorda que a infra estrutura da WWW deveria ser mantida sob licenças RF (Royalty Free) mas ainda não definiu licenças ou termos a serem utilizadas para este fim.

O perigo é que a possibilidade de escolha entre RAND e RF venha a sempre pender para o RAND devido aos interesses dos detentores de patentes que fazem parte do consórcio, diluindo ou esquecendo o interesse original, o contínuo desenvolvimento da tecnologia, para a utilização universal. O conceito de copyright foi criado para proteger os autores e inventores e estabelecer um meio de recompensá-los e incentivar novos desenvolvimentos.

Expirado o prazo em que o autor teria direito exclusivo sobre a obra, ela se tornaria domínio público. Hoje, graças a emendas e manobras os copyrights podem ser explorados quase indefinidamente, tendo virado prática de negócio obter copyrights genéricos e depois abrir processo sobre qualquer coisa que vagamente lembre a sua patente.

É desconcertante ver uma entidade criada para desenvolver e promover padrões interoperáveis e disponíveis, que reconhecidamente deve grande parte do sucesso de sua tecnologia às implementações livres considerar fechar portas para desenvolvedores independentes.

Corpos de padronização técnica deveriam ser regidos por técnicos e não por advogados. Devemos nos opor firmemente a essas leis absurdas de copyright de software, e pressionar devidamente nossos representantes a não aceitá-las, lembrando que as discussões para a implementação do ALCA (o mercado comum das américas) implicará num acordo de respeito mútuo de copyright que pode acabar nos impondo “coisas” como o DMCA (Digital Millenium Copyright Act) americano, ou piores.

Eduardo Maçan
macan arroba debian.org


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