O X Window System

O X Window System

A intenção deste artigo é servir de introdução ao X Window System e aos próximos artigos. O X Window System é fonte de constante confusão para grande parte dos usuários que estão acostumados a sistemas operacionais monousuário. A maior parte desta confusão vem do fato do X Window System (ou simplesmente “X”) ser um sistema gráfico baseado em arquitetura cliente-servidor. Este será o segundo e o mais “carregado” artigo desta série, mas com informação de fundamental importância.

No MS-DOS não havia um padrão que ditasse a maneira como os programas se comportariam em modo gráfico, cada programa era responsável por entrar em modo gráfico, cuidar de saber qual placa de vídeo você tinha, que resolução era suportada, além de desenhar botões, barras de rolagem, etc. O Windows surgiu como uma solução para este tipo de problema, provendo uma interface comum de programação em ambiente gráfico que garantia consistência de aparência a todas as aplicações. O Windows era um programa que rodava sobre o DOS. Posteriormente, o Windows 95 veio a estreitar as relações entre o Sistema operacional e o ambiente gráfico, de forma a serem indistinguíveis por um usuário comum. Para o usuário do Windows, o ambiente de janelas e o sistema operacional são a mesma coisa(*).

No Unix, o sistema de janelas segue a risca a tradição de se escrever sistemas modulares com funcionalidade rica e bem definida. O X é uma aplicação do usuário e não parte integrante do sistema operacional em si. Voce pode muito bem sobreviver no Unix na completa ausência do sistema de janelas ou escolher um outro sistema de janelas que atenda melhor suas necessidades, caso você o encontre. Esta escolha, como várias outras não existe para usuários Windows.

O X foi desenvolvido no Massachussets Institute of Technology com suporte da Digital Equipment Corporation. O nome e algumas idéias originais de design foram retiradas de um outro sistema chamado “W” desenvolvido em Stanford. Os principais objetivos do projeto eram criar um ambiente gráfico distribuído e independente de hardware. Inicialmente adotado apenas pelo MIT e pela Digital, o X passou a fazer parte de praticamente todas as versões de Unix presentes no mercado, o que inclui o Linux.

O Linux possui várias versões comerciais do X, como o da Xi  Graphics ou da Metro Link, mas a versão que faz parte de quase todas as distribuições é conhecida como XFree86, um projeto que visava criar um ambiente gráfico baseado nas especificações do X de livre distribuição (daí o XFree do nome) para a arquitetura Intel x86 (daí o “86”), mas que hoje roda em várias outras arquiteturas e sistemas, incluindo o OS/2.

Afinal de contas, o que é o X? Em termos simples, o X é um programa servidor de rede (em Unix, conhecidos como daemons) cujas atribuições principais são entrar em modo gráfico, criar janelas (áreas geralmente quadradas na tela) e responder a eventos dos dispositivos de entrada (geralmente Mouse e Teclado) que atuem nestas áreas da “tela”, desenhar texto em diversos tamanhos e fontes e fornecer primitivas para desenho (linhas, pontos, cores, etc.).

O X fornece as funcionalidades de rede, gráfica e de controles básicos. A tarefa de “decorar” as janelas (adicionar bordas, criar ícones, etc) são responsabilidade de duas camadas adicionais de software que abordaremos nos próximos artigos, os Window Managers e os “toolkits”.

Revisando: eu disse que o X é distribuído e independente de hardware ou plataforma. Isso é conseguido através de sua arquitetura cliente-servidor. A confusão agora ocorre porque tendemos a entender como “servidor” a máquina remota na rede e como “cliente” a máquina que estamos utilizando. No caso do X, o “servidor” é a máquina que está mostrando os gráficos, enquanto a máquina cliente é a que está efetivamente executando a aplicação. OPA! Que história é essa de executar a aplicação em uma máquina e mostrar os gráficos em outra? É aí que está a graça.

Imagine que você tem uma empresa e que você tem poucos recursos para investir (este último não é difícil de imaginar). Você precisa que 30 funcionários utilizem estações de trabalho para desenvolver projetos e simulações de turbinas. Ao invés de comprar 30 estações de trabalho poderosas, você concentra seus recursos em uma única máquina com capacidades superiores de processamento e compra 30 máquinas “menores” que serão utilizadas apenas como “display” (guarde bem esta palavra) para que seus usuários possam interagir com os programas, que serão executados na máquina “parruda”. No caso, as máquinas menores são “servidores de gráficos”.

Como exemplo imagine duas máquinas, uma, chamada “kingkong” que é responsável por executar os programas e uma outra, chamada “chita” que será seu desktop. Em uma seção comum, um usuário usando a máquina “chita” faria:

chita$ telnet kingkong (vamos nos conectar ao kingkong)
kingkong login: tarzan (entremos usuario e senha)
password: IluvJane

kingkong% (estamos remotamente na kingkong agora)
kingkong% export DISPLAY=chita:0.0 (dizemos que o servidor de display será a chita)
kingkong% meucad & (executamos nosso programa hipotético)

Ao executar estes passos, o usuário da máquina chita estaria vendo a tela do programa “meucad” (CAD = Desenho Auxiliado por Computador) e estaria interagindo com ela. Os clicks de mouse e teclado são transmitidos pela rede na forma de “eventos X” que serão processados na máquina “kingkong”. Os resultados destes eventos são enviados ao servidor X (chita) que irá mostrá-los em seu “display” e assim o ciclo de interação entre o usuário e o programa se desenvolve em máquinas separadas. Como estas mensagens são independentes de sistema operacional ou de hardware, voce pode estar executando o programa em uma máquina Sun (por exemplo) e vendo a tela do programa em um Pentium rodando Linux (ou mesmo OS/2, Windows ou Mac, veja a seção de links no final do artigo).

De fato, os clientes X são tão independentes de seus servidores que o primeiro cliente X (o xterm, um equivalente ao DOS prompt do Windows, só que sério) ficou pronto um mês antes do primeiro servidor X estar disponível para testes

Parece complicado, não? Realmente o é a primeira vista, as pessoas estão acostumadas a instalar um editor de texto, planilha e software de apresentação em cada computador. Aproveite este tempo para relaxar um pouco, e vamos aos detalhes cabeludos (você pensou que tinha acabado?).

Eu pedi que você prestasse atenção à palavra “display” e, se você estava realmente prestando atenção, notou que ela apareceu na linha de comando (export DISPLAY=chita:0.0) que apresentamos acima. Esta linha de comando irá funcionar em interpretadores derivados  da Bourne Shell (sh), como a ksh (Korn SHell) ou a bash (Bourne Again SHell, default na maioria dos Linux). O uso freqüente deste comando ajudou a cunhar a expressão “exportar o DISPLAY”, no nosso caso para a máquina chita. Isso é apenas força de expressão, este comando não está fazendo nada senão criando uma variável global chamada DISPLAY, com o valor “chita:0.0”. Esta variável é consultada por todos os clientes X (programas) para saberem para qual servidor direcionar suas saídas de tela. Se ela não estiver definida, o programa irá tentar encontrar um servidor X rodando na própria máquina.

Geralmente temos uma única placa de vídeo no computador e um único monitor, mas isso não precisa ser necessariamente verdade. Nada nos impede de instalarmos várias placas de vídeo e consequentemente vários monitores em um único computador, se tivermos software capaz de gerenciar isso. Um servidor X pode gerenciar vários “displays” (dispositivos de saída).  Um mesmo computador pode também ter vários servidores X rodando simultaneamente. A possibilidade existe, muito embora seja raramente utilizada. Daí, ao informarmos aos clientes X qual será o endereço do dispositivo de saída usamos a sintaxe host:N.M , onde “N” é o N-ésimo servidor X (começando com 0) rodando na máquina “host” e “M” é o M-ésimo display (também a partir de 0) controlado por este servidor. Como no caso geral teremos um único servidor X rodando na máquina e um único display, o mais comum é termos a designação “host:0.0” para identificá-lo.

Esta característica é chamada de “Multiheaded display” ou display com múltiplas cabeças (alguns devem estar pensando “de sete cabeças” a esta altura). E está presente em alguns servidores X comerciais, como por exemplo o da Xi graphics. O XFree86 tem suporte precário a multiheaded displays, o suporte mais completo está previsto para a próxima versão do servidor.

Quando você instala um linux e configura seu ambiente gráfico você está automaticamente habilitando estas características. Caso você esteja em rede (mesmo através de um provedor de acesso) você pode se utilizar dos recursos do X para abrir aplicativos em máquinas remotas na rede e visualizá-los em sua própria máquina (claro, voce precisa ter acesso a estas máquinas remotas). O visual do seu ambiente gráfico é o trabalho de um pacote complementar de software chamado “window manager” ao qual dedicarei os próximos artigos, que prometo, serão mais leves, incluindo várias imagens coloridas dos vários “look and feel” disponíveis para Linux.

Se você não conseguiu absorver de uma vez toda esta informação não se preocupe, a intenção é mostrar que há muito mais entre o sistema operacional e o ambiente gráfico do que supõe a filosofia do usuário (perdão, Shakespeare!) e alertá-lo para a potencialidade do desktop Unix em rede, que vai muito além dos jogos de paciência.

Como curiosidade, vale dizer que recentemente (meados de 1998) o Open Group, detentor dos direitos do padrão X, tentou alterar a licença das novas versões do protocolo, que impediria que o XFree86 continuasse fiel a tais versões sem ter que pagar (caro) por isso.  A força dos padrões abertos como o Linux fez com que o Open Group, (que de “Open” não tem tanto assim) voltasse atrás. A ameaça era que o XFree86, por ser desenvolvido pela comunidade e ser completamente aberto, passasse a ditar os padrões, ao invés do próprio Open Group. Mais um ponto a favor do Free Software.

(*) Nota do autor: Fica evidente que não são quando você examina de perto os arquivos de inicialização do sistema, e também pela existência do “modo DOS” de inicialização.

Alguns links:

Os atuais “donos” do padrão X:
Open Group: http://www.opengroup.org

Alguns Servidores X para Linux (livre e comerciais):

Projeto XFree86 (livre): http://www.xfree86.org
Xi Graphics: http://www.xi.com
MetroLink: http://www.metrolink.com

Alguns Servidores X para Windows e Mac:

M/IX server (não é “livre” mas é gratuito e quebra o galho): http://www.microimages.com
Xwin32 (versão demo para download, bastante completo): http://www.starnet.com

O Portuguese-HOWTO contém informações interessantes sobre o X Window System (em portugues):
http://metalab.unc.edu/LDP/HOWTO/Portuguese-HOWTO-2.html#ss2.2


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