O pessoal do pirate bay foi condenado a um ano de prisão e 3,6 milhões de dólares de indenização por prejuízos causados à “indústria do entretenimento”.
O fato de terem sido condenados (e eu, aliás, até esperava que fossem e não estou surpreso) me fez praticar um exercício: “E se fosse no Brasil?”
Vamos então dar uma olhada em nossa lei de direitos autorais:
A lei vigente é razoavelmente recente (de 1998) mas já nasceu velha, não contemplava a “difusão” de sons e imagens em formatos digitais através da internet e de mídias regraváveis, provavelmente porque essas leis devem ter tramitado por cerca de 10 anos antes de serem promulgadas. Estamos provavelmente falando de uma realidade de 1988, em vigor em 2008.
A “lei de Moore” dizia que a capacidade dos computadores dobraria e seu preço se reduziria pela metade a cada 2 anos. Em um meio tão pomposo e moroso como o da criação e aplicação das leis isso é um problema e não é um problema pequeno.
As leis caminham de forma linear, a realidade digital é exponencial.
Existe uma tecnologia fantástica de distribuição de dados chamada bittorrent, que permite que a partir de várias fontes originais, cada usuário baixando uma cópia torne-se também um agente distribuidor, reduzindo os recursos necessários para difusão de informações para grandes públicos.
Os torrents não são ruins. CDs de software livre inteiros são baixados através da tecnologia, artistas disponibilizam (legalmente) gravações de seus shows desta maneira.
Obviamente carros não são ruins porque atropelam ou matam pessoas no trânsito. O que em geral existem são motoristas ruins e é contra os motoristas ruins que as leis são aplicadas.
Expliquem-me então por que, apesar do limite de velocidade nas estradas não ser superior a 120km/h no Brasil, os carros nacionais podem atingir por vezes até 200km/h? Experimentem apresentar um projeto de lei que limite a velocidade máxima dos carros em 120km/h para eliminar os excessos de velocidade e vejamos o que acontece.
Digo isso porque não se pode associar a tecnologia com o mau uso que se faz dela, o problema de se baixar filmes programas e músicas da internet está na origem e no destino e não no veículo. Errados estão quem disponibiliza indevidamente e quem baixa indiscriminadamente.
Isso dito, nossa lei fala em “apreensão e destruição” de cópias ilegais, máquinas e copiadoras pois é de um tempo em que gravar um CD não custava menos de R$2 para qualquer cidadão e disquetes e fitas cassete trocados de mão em mão não carregavam informação suficiente para serem uma ameaça à indústria do entretenimento. Destaco, dentro do que julguei relevante, os artigos 103-107:
Art. 103. Quem editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido.
Parágrafo único. Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos.
Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior.
Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro.
Art. 106. A sentença condenatória poderá determinar a destruição de todos os exemplares ilícitos, bem como as matrizes, moldes, negativos e demais elementos utilizados para praticar o ilícito civil, assim como a perda de máquinas, equipamentos e insumos destinados a tal fim ou, servindo eles unicamente para o fim ilícito, sua destruição.
Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação do disposto no art. 103 e seu parágrafo único, quem:
I – alterar, suprimir, modificar ou inutilizar, de qualquer maneira, dispositivos técnicos introduzidos nos exemplares das obras e produções protegidas para evitar ou restringir sua cópia;
II – alterar, suprimir ou inutilizar, de qualquer maneira, os sinais codificados destinados a restringir a comunicação ao público de obras, produções ou emissões protegidas ou a evitar a sua cópia;
III – suprimir ou alterar, sem autorização, qualquer informação sobre a gestão de direitos;
IV – distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição do público, sem autorização, obras, interpretações ou execuções, exemplares de interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a informação sobre a gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados sem autorização.
Dá pra ver que a lei foi feita pensando em sinais de rádio e tv (a cabo inclusive) e tendo em vista fotocopiadoras, gráficas clandestinas, banquinhas de camelô e etc. Fica difícil interpretar dentro da nova realidade de distribuição de conteúdo.
Fica muito claro também o peso desproporcional que o download ou distribuição de músicas ou filmes por um indivíduo sem intenção de lucro ganha, em relação aos “piratas” que copiam CDs, DVDs, gravam salas de cinema e vendem em milhares de banquinhas espalhadas por cada esquina a olhos vistos.
O crime verdadeiro com lucro indevido, fraudulento, sonegador, com rostos, RGs e CPFs identificáveis circula pelas ruas e – há quem se esqueça – na ocasião do lançamento do filme “Dois filhos de Francisco” nos cinemas, até nosso presidente afirmou que tinha assistido ao filme no DVD de seu avião (mas o filme não estava em cartaz?!?).
Pela internet a motivação não é o lucro, nas banquinhas de DVD pirata sim. No entanto a grande campanha ainda é contra o usuário da internet.
No meu entender a lei brasileira diz que quem baixa, deixa em seu HD e utiliza em seu próprio proveito, está violando direitos autorais. Mas me parece ser remediável mediante indenização referente ao valor das músicas baixadas.
Que tal essa? só mencionam obras completas na lei, nada sobre “frações” da obra, quanto custa apenas uma música do CD? Sem falar que as pessoas faziam cópias ilegais em cassetes e VHS para uso próprio e alheio há décadas. Temos então o que? Um caso de prolongada desobediência civil? Negligência dos agentes fiscalizadores? Regras que não se aplicam à maneira como a sociedade joga?
Colocando a lei em vigor dentro do contexto, se alguém resolvesse disponibilizar filmes e música para download, estaria violando os direitos do autor, e o que eu acho que enquadraria um “baiadospiratas.com.br” (corram, o domínio ainda está livre!) seria a “comunicação ao público de obras artísticas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares“. Não sem uma captura e apreensão dos servidores (mesmo que de terceiros), facilmente enquadráveis em “a perda de máquinas, equipamentos e insumos destinados a tal fim“.
E sendo o divulgador corresponsável no crime, o pagamento da multa de 3000 vezes o valor das obras que puderem ser identificadas como tendo sido “distribuídas” seria cobrado, uma vez que não haveria como precisar quantas foram feitas.
Independente de “cópia” na lei significar a duplicata de algo físico, o que fica nítido quando se fala em “apreensão e destruição” de cópias apreendidas, acho que há matéria suficiente para uma condenação dos possíveis envolvidos, nos moldes do que aconteceu na Suécia.
E que levante o braço o advogado ou juíz que nunca em sua vida fotocopiou um livro ou artigos no “xerox” da faculdade.
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