Desafios para a música livre

Há algum tempo nos demos conta da  transformação social ampla impulsionada por novas formas de comunicação e consequentes novas demandas sociais. Tendo me formado em um ambiente essencialmente tecnológico entrei  em contato com a primeira manifestação direta dessa transformação ainda muito cedo. Era natural que as pessoas que ajudavam a criar as novas formas de se comunicar também definissem as novas formas de agir. O modo de vida que experimentamos hoje é um reflexo direto do sucesso das criações das mesmas mentes que nos trouxeram o unix, a Internet, o Linux, a web, os blogs, as redes sociais, os microblogs e o que quer que venha em seguida.

As comunidades que se formam ao redor de software livre  manifestam espontaneamente sua necessidade de se aglomerar e interagir fisicamente,  o que dá origem aos mais variados tipos de encontro: de modestos encontros em pizzarias até enormidades como o FISL.  A música tem tradicionalmente este poder de reunião, traduzido nas manifestações solitárias do cantor de barzinho praticamente incorporado com seu violão ao pano de fundo até as mega-apresentações e festivais.

A diferença fundamental é que Software livre é criado, modificado e distribuído sob a ótica da utilidade e música livre é criada, distribuída e modificada (remixada) sob a ótica do gosto. Utilidade e gosto são conceitos igualmente abstratos, mas é certamente muito mais fácil concordar que algo é “melhor ou pior” quando avaliamos utilidade. Para o gosto cada qual é seu próprio referencial.

Vejam a palavra “reunião”.  Para que as pessoas se “reunam” elas já devem ter sido previamente unidas por algo, seja um propósito, seja um conceito. “Software Livre” é suficiente para unir amantes de software enquanto a música ser “Livre”  não basta para unir amantes de música.  Um apreciador de hard rock não vai aplaudir entusiasticamente uma banda de pagode e apreciá-la genuinamente só porque publicam suas músicas sob creative commons e  permitem a remistura dos elementos harmônicos e de percussão. Não! Há algo extremamente sincero no gosto pessoal que se sobrepõe à racionalidade, talvez porque a música se ligue a camadas mais profundas de nossa existência, incômodas de contrariar.

Um “movimento pela música livre” será ainda mais fragmentado do que o movimento pelo software livre pois a afinidade (ou não) entre estilos é cruelmente segregadora. As pessoas reclamam do modelo comercial atual,  injusto sob várias óticas, mas ele se sai muito bem ao atuar como filtro prévio do que é capaz de unir um determinado público frente às realidades sociais atuais.

Reafirmo que pessoas não se aglomeram para conhecer música, elas se aglomeram para comungar do que já as une. Quem pensa em fazer música livre não conta com o apoio de um mecanismo que formata a música conforme a cabeça do público (ou o público conforme a música que se quer vender) e acaba muitas vezes criando referências ao que seu público conhece ou imitando fórmulas consagradas pelo modelo anterior, que renegam. Muito como os produtores de software livre que “clonam” programas proprietários de sucesso para mais facilmente chegar à preferência de quem já está acostumado ao modelo.

Não vejo como poderia existir UM movimento de música livre. Consigo imaginar festivais de rock livre, festivais de eletrônico livre, festivais de forró livre, festivais de pagode livre e nanicas comunidades-nicho tipicamente regionais,  mas não consigo hoje ver o nascimento de um festival ou movimento capaz de celebrar “música livre”. O que há são comunidades que se formam ao redor de poucos atos de sucesso, ainda ignorantes do conceito “música livre”. Como são amarrados pelo gosto é muito difícil aproveitar o sucesso de um ato para alavancar o de outros, gosto é intransferível.

Há alguns dias, aliás, Stanley Jordan, um dos mais celebrados guitarristas de todos os tempos, tocou de graça na periferia de São Paulo para um público de apenas 17 pessoas.

Não há nada mais infantilmente sincero e cruel que o gosto das pessoas, acredite.


Publicado

em

, , ,

por

Tags:

Comentários

Uma resposta para “Desafios para a música livre”

  1. Avatar de Jana

    Como diria meu Nobre Cartola, "O mundo é um moinho", erro de todos os lados, inclusive da civilização Brasileira, em decadência… Que desperdicio… parece até "lavagem de dinheiro" trazer um grande nome, sem divulgação, sem publico, sem margem de localização… enfim! Viva o Lula! Filmão em Cinema!!!

    Mas, como uma brasileira, eu não desisto nunca, novo ano começando…2010! Vamos torcer para que melhore! Ano "par", vamos pelo lado astrologico..eventos positivos…rs..!!!

    Feliz 2010 my friend! Missing you!!

Comente de volta!