Como já havia mencionado, o livro baseia sua trama na interpretação direcionada de símbolos pagãos presentes na arte sacra católica, cuidadosamente selecionados e encadeados de uma forma a dar realmente a impressão que a interpretação da história é mais que verídica, é A única explicação possível.
Eu não sou nenhum estudioso de simbologia, antropologia, psicologia, religião, nem nada disso, mas ao longo da minha vida li livros que me deram subsídios para não me deixar cair em alguns tipos de armadilhas (infelizmente, caí em outras ao longo da minha vida, mas para essas eu acho que não havia livros disponíveis hehehe, estou divagando).
Um dos livros aparentemente inócuos mas que considero muito interessantes na composição do meu background foi comprado há muito por meu irmão e ficou anos na estante da sala da minha mãe até que acabei lendo: “Como persuadir falando” da editora Ediouro. Esse livro está fora de catálogo há anos e não faço idéia de onde foi parar o exemplar da minha casa, nele uma parte considerável (não lembro se um capítulo) fora dedicado a explicar as diferenças entre “persuasão” e “convencimento”.
Na persuasão você faz com que o interlocutor adote seu ponto de vista quase involuntariamente através de argumentos bem calculados e direcionados a objetivo. No ato do convencimento, existe um confronto (repare no prefixo “con” nas duas palavras) de pontos de vista e o interlocutor ao ser convencido foi também “vencido” pelo ponto de vista do oponente, passando a aceitar conscientemente esse novo ponto de vista como verdade.
O estilo de Dan Brown é extremamente sedutor e perigosamente persuasivo para as mentes menos preparadas. A persuasão é um ato unidirecional e não há nada mais unidirecional que a leitura de um livro apoiada por uma grande cobertura de mídia. Infelizmente, desde a criação da cultura de massa através da radiodifusão e do seu posterior instrumento máximo – a televisão – existe uma forte tendência social a prontamente consumir, aceitar e acreditar piamente no que vem através da mídia… – “É verdade, passou até na televisão” – quem nunca disse ou ouviu isso?
A “guerra dos mundos”, filme de ficção científica da década de 50, recentemente refilmado e estrelado por Tom Cruise foi baseado em uma história escrita no final do século 19 por H.G. Wells, e foi encenada ao vivo no rádio na década de 30 – por Orson Welles (pode-se encontrar o mp3 dessa difusão nas redes p2p, eu tenho). Mesmo com o aviso prévio de que era ficcão, a encenacão da cobertura radiojornalística de uma invasão alienígena causou pânico generalizado nos Estados Unidos, foi a primeira demonstração massiva (talvez até involuntária) da vulnerabilidade da sociedade frente aos meios de comunicação.
Voltando a Dan Brown… Não me sinto exatamente confortável ao ler uma história que usa de técnicas de persuasão tão descaradamente a favor de um ponto de vista tão pessoal. Ou Dan Brown escreveu esses dois livros para persuadir as pessoas a acreditar que o cristianismo como um todo é uma farsa (O código Da Vinci) e que a igreja católica em particular é uma instituição decadente, corrupta, leviana, hipócrita e mentirosa (Anjos e Demônios) ou essas histórias tiveram a intenção única e exclusiva de criar um evento de mídia e polêmica calculados de forma a fazer muito dinheiro, sem ao menos se importar com as consequências de apresentar uma interpretação de símbolos de fé tão íntimos de milhões de pessoas encadeadas de forma lógica e aparentando seriedade científica.
Os dois motivos me soam desonestos. Se ele acredita que a igreja católica é moralmente corrupta até as suas instâncias superiores, ou se acredita que o cristianismo é uma farsa, deveria convencer as pessoas disso, não persuadí-las a acreditar.
Não condeno aqui sua opinião, condeno seu método. Se o objetivo era apenas ganhar dinheiro através da polêmica e da dúvida colocada no leitor pela aparente coerência do que ele apresenta… não deixa de ser manipulação. Não sou capaz de aceitar isso passivamente.
A seu favor teríamos que ninguém pode calcular de antemão a extensão do alcance de umaa obra, se não houver disponibilidade de milhões em investimento disponível para isso (será que não tinha? Será que tem alguémpor trás disso? – hahaha, se ele pode criar teorias conspiratórias eu também posso! 😉 ). Contra ele temos que o primeiro livro (Anjos e Demônios) é nitidamente uma obra de ficção, incluindo vôos estratosféricos em Mach 15 e antimatéria, e o segundo (O Código Da Vinci) é exatamente a mesma história, só que sem fantasia científica, conferindo ainda mais dúvida quanto ao caráter fictício da obra.
Isso me lembra o que a gente chama em segurança de informação de “privilege escalation”, ganhar um nível de acesso a um sistema para então ganhar mais poder a partir daí. O termo “mind-cracking” agora me parece ter um outro sentido 😉
E vejam que interessante: nos dois livros o herói é um homem recém chegado à meia-idade, dotado de inteligência, conhecimento e charme intelectuais (além de uma bela e espaçosa casa) e físico invejável que faz par romântico com mulheres jovens, emocionalmente e intelectualmente independentes além de bonitas, ousadas, sexualmente atraentes, seguras de si e transgressoras, ora ora ora… não são esses os conceitos “modernos” de sucesso e poder para o homem e a mulher “modernos”? Dan Brown quer mesmo falar para os potencialmente bem-sucedidos, ou os que aspiram essa imagem por convicção, debilidade psico-social ou por ingenuidade mesmo (Indiana Jones e derivados usam os mesmos personagens cliché, mas pelo menos não tentam manipular as opiniões de ninguém).
Tudo é calculado demais. Ano que vem virá um filme do código e teremos mais uma renovação do interesse na história, milhões de pessoas lotarão os cinemas , seis meses depois comprarão os DVDs, um ano depois assistirão na TV a cabo e em 2 anos a massa o verá pela televisão…
O que ele diz nos livros realmente parece ser verdade… ou está para se tornar, através da mídia. 😉
Minha avaliacão pessoal: Dan Brown não goza de prestígio comigo, embora eu reconheca as habilidades dele. Nem vou perder tempo dando mais dinheiro pra ele lendo “fortaleza digital”.
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