Eu estava acompanhando mais ou menos quieto todo esse interesse pela “missão” espacial do “astronauta brasileiro” e tirei minhas conclusões. Posso ter ligado os As e Bs de forma equivocada, mas acho que vale a pena dar minha opinião sobre o assunto, tendo sido eu mesmo um menino que sonhava com o espaco e com robôs, iludido a acreditar que a tecnologia viria para que as pessoas tivessem maior qualidade de vida e pudessem realizar coisas maiores mais facilmente. Ainda acredito nesses sonhos hoje mais por vício do que por paixão, dado o incentivo que a gente recebe.
Eu pensei muito no mérito dessa “missão” enquanto ela era criticada pela comunidade científica por não levar experimentos relevantes e ver jornalistas frequentemente fazendo piada com a figura do nosso Tenente Coronel e de sua “missão centenário”.
Pontes é um herói, mas um herói diferente do herói que os brasileiros esperam. O cara é um herói por ter o curriculum que tem. Bacharel em Tecnologia Aeronáutica pela Academia da Forca Aérea, Engenheiro Aeronáutico pelo ITA , mestrado em engenharia de Sistemas numa academia naval dos EUA, piloto de provas da FAB com experiência em mais de 20 tipos de aeronave e mais de 1500 horas de vôo. Ele não é qualquer palhaco que foi mandado pro espaco, ele é um palhaco tão bom quanto ou melhor do que muitos dos palhacos que insistem em se instruir e abracar a ciência e o conhecimento num país que não valoriza e muito menos recompensa a dedicacão das suas mentes mais prodigiosas. Pelo que li, ele cumpriu o treinamento da Nasa com louvor tanto nos aspectos intelectuais como físicos, não duvido que tenha dado o melhor de si e que tenha obtido resultados fantásticos em todas suas avaliacões, ele cumpriu (e bem) seu papel.
O Brasil foi convidado a participar do programa da construcão da estacão espacial como reconhecimento das competências cientificas obtidas em alguns pontos chave da nossa (heróica) comunidade científica nacional, ainda em 1998. O Brasil deveria criar um modulo conhecido como Express Pallet e entregá-lo em 2 anos. Um astronauta brasileiro iria ate a estacão para instalá-lo em 2001.
Pontes foi escolhido e desde 1998 treinava para ir ao espaco. O tal módulo NUNCA foi feito, o Brasil alegou erro de avaliacão de custos, restricões orcamentárias, pediu revisão de prazo, pediu pra construir algo mais simples, depois pediu revisão de prazo, alegou restricões orcamentárias e em quase 10 anos NÃO CONSTRUIU NADA, tendo constado como participante da missão sem nunca ter feito nada. O Brasil é aquele membro da equipe da escola que só aparece no dia da apresentacão do trabalho pra ganhar nota.
E o que temos? Temos um astronauta treinado, pronto para ir ao espaco, temos uma estacão espacial, temos uma “imagem” pública, temos todos os custos de treinamento acumulados desde 1998, temos um governo com problemas de imagem em pleno ano eleitoral, temos o centenário do voo do 14 bis, a perda trágica e catastrófica de 23 técnicos e cientistas e da plataforma de lancamento da base de Alcântara, praticamente arruinando o já mirrado programa espacial Brasileiro durante esse mesmo governo. O que fazer? Deixar passar e perder os dólares (provavelmente bem mais que os 10 milhões da viagem) envolvidos no treinamento do Pontes e tudo o mais do “programa espacial” neste período?
Por que não investir mais 10 milhõezinhos e criar um fato? Incluimos o vôo à estacão num acordo com o governo Russo, pagamos diretamente para a agência espacial russa, como fez o próprio Mark Shuttleworth quando foi pra ficar os mesmos 8 dias. Minimiza-se o desperdício envolvido no programa na hipótese de se desistir de enviar o cara pro espaco, tenta disfarcar o já gorilesco micão internacional, cria-se uma tentativa de emplacar uma imagem de “herói nacional” (no sentido “Ayrton Senna” da palavra) ao astronauta, coloca o governo Lula como o governo em que “o Brasil se tornou uma potência espacial”, apaga da memória (daqueles que ainda lembram) a tragédia de Alcântara (que também aconteceu nesta gestão federal) e o fato de que nosso programa espacial, como toda e qualquer pesquisa de ciência no Brasil é engessada e sujeita a interesses e “panelinhas” dentro do governo e dos órgãos de financiamento e de pesquisa. E como brasileiro gosta de festa, ainda “celebramos” o vôo do 14 bis.
Ao ler que algumas experiências não foram aprovadas porque não passaram nas avaliacoes de seguranca e ao ler que houve pouco tempo na preparacão dos testes de seguranca das mesmas (que chega a durar anos) fica claro que as instituicoes de pesquisa foram procuradas às pressas para apresentar o que tivessem de experiências que pudessem ser realizadas no espaco. Não houve a necessidade do espaco pra as experiencias, mas a necessidade das experiencias para o espaco. Percebem a “brasilidade” na coisa?
Todo mundo ficou criticando que o cara ficou no espaco regando feijão preto. É comum que experiências de escolas de primeiro e segundo grau sejam levadas por astronautas sempre que há lugar não preenchido em missões. É importante fomentar o interesse pela ciência entre as criancas e jovens que podem optar por seguir carreira científica, acontece que a baixa relevância das outras fez com que essa experiência acabasse se destacando no conjunto!
Nada disso é culpa do Pontes, que cumpriu seu papel com méritos. É culpa dessa nossa tradicãozinha zé-povinho de querer posar de primeiro mundo sem ser, desse governo não-melhor que qualquer outro que tenha vindo antes dele (talvez mais honesto no sentido em que faz as falcatruas mais abertamente, pra que todo mundo possa ver), é culpa desse povo que só pensa em festa e só enxerga o que lhe mostram pela tevê e desse nosso tempo em que ser (e fazer) “feio” é que é o bonito.
Pontes, se por acaso você acabar lendo esse texto, saiba que você conta com meu reconhecimento (o que convenhamos não é lá grande coisa também, mas é sincero) pelas suas conquistas pessoais – que não vieram sem esforco ou mérito – como astronauta infantil, piloto de caca frustrado, apaixonado pela ciência, engenheiro e sonhador inveterado que sou, meus parabéns.
Para o caráter “festivo” e oportunista de tudo o que envolveu essa missão, para os vergonhosos resultados da “participacão” brasileira na construcão da ISS, para nosso governo e para o que mais de negativo eu citei aqui (e para o que eu pensei sem citar) minhas mais sinceras náuseas.
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